sexta-feira, 19 de junho de 2009

DO SENTIDO DA LITERATURA, À DESMEDIDA DO PRECONCEITO


Lendo o livro Aventuras Provisórias de Cristóvão Tezza, e eu disse, lendo, porque desconheço que um livro possa ser analisado apenas se folheado para que, a esmo, retirem-se excertos. Descobri uma obra bem escrita, num estilo que convida à compreensão das tramas psicológicas de seus personagens. Enfim, uma obra que delimita parcela de verdade do contexto anos 70 no Brasil.
A narrativa sobre dois amigos, adultos e jovens, fala, em forma ficcional, de vida real, em que pessoas têm medos, defeitos, paixões e, definitivamente, desejo de encontrar sentido na vida, no existir. Sentido este que exige reconhecer-se em relação ao outro, estes tantos outros que se situam na cotidianidade, mães, amores, amigos, seres estes que podem estar personificados ou institucionalizados no emprego, numa comunidade alternativa ou num cenário urbano como os, detalhadamente, descritos no livro.
Sendo um livro que trata de gente e de cotidiano em plena relação, parece-me uma obviedade que os personagens apresentem pensamentos conflitantes, que se descrevam os processos de satisfação orgânica, ou seja, pessoas que comem, dormem, fazem sexo e que, dentro de sua inserção cultural (Brasil, século XX), fumam, bebem e dialogam, como dialoga a gente comum.
Sim, o autor usa palavrões. Mas, se isso fosse um problema na literatura, então condenem, em primeiríssima mão, Jorge Amado, Aluízio Azevedo e, para Nelson Rodrigues, a suprema pena de morte, mesmo que já estejam todos mortos. Penso que todo o impasse que se formou em torno da compra desta obra para os alunos do Ensino Médio da Rede Estadual de Educação de Santa Catarina aconteceu por uma única chave: ler.
A literatura é arte e, como tal, sua didatização é um equivoco. Quem lê de verdade, sabe disso, porque leu os autores já citados e muitos outros que não medem as palavras para agradar técnicos de plantão, mas que sabem a força que uma boa história tem sobre a multiplicidade de sentidos, ao encontrar com os conteúdos de cada ser.
Minha defesa é, acima de tudo, pelo direito que os jovens das escolas públicas, clientela geralmente menos servida materialmente, devem ter ao acesso à literatura em geral e, em especial, às premiadas, caso da obra de Tezza. Que não sejam violentados por sensores panópticos, ou bem intencionados de plantão. Que possamos entender a função da educação, que é a de prover os jovens de conhecimentos que lhes permitam decidir sobre o bem e o mal e tudo mais que existe entre estes dois extremos.
Crianças e adolescentes devem ser protegidos. Isto é lei e não está em discussão. É direito adquirido, mas a retirada desta obra das escolas, não cabe neste propósito, pois, diferentemente do caso das obras retiradas de circulação em São Paulo, ela está adequada à faixa etária à qual se destina: alunos do Ensino Médio.
Pode-se gostar ou não gostar do estilo, do texto, mas isto não dá o direito à reedição da caça e queima de bruxas. A escola não pode trabalhar com jovens de hoje à moda da Idade Média. De tudo que li contra o uso da obra, choca-me, especialmente, o desejo de banir palavras “feias” da boca dos alunos, pelo artifício da censura. De novo, recomendo a literatura, uma deliciosa e feita para crianças, da incensurável Rute Rocha, o livro intitulado Reizinho Mandão, em que ensina: “cala boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”.